Carta a Deus – Clauder Arcanjo

São 3 e meia da madrugada. Estou em Fortaleza, Ceará, neste 13 de abril de 2017, Quinta-feira Santa. Era assim que chamávamos, na minha província natal, a quinta que antecedia ao Calvário de Cristo, a Sexta-feira da Paixão.

Hoje, meu Pai, eu quero ter uma conversa particular com o Senhor. Sei que andamos distantes, mas a causa que me move é justa. Melhor, justíssima. Explico.

Dr. Milton Marques sofre sobre um leito hospitalar na capital cearense, e o seu caso, segundo a equipe médica, inspira cuidados; e isso não é justo!

Quem sou eu para falar acerca de justiça?!… Um nada noves fora nada. No entanto, hoje, Pai Celestial, eu carrego no peito (e nas tintas) todas as angústias e os rogos do nosso País de Mossoró.

Sei que a minha prosa é indigna de chegar aos Teus pés, porém não repares no meu mau jeito de escrevinhador, mas na fé que anima este meu ofício de escritor.

Pois bem. O mundo já te enviou muitas almas de Mossoró, Pai, para que ainda queiras nos levar Milton. Sim, Senhor!, tu bem sabes a quem estou a me referir: Milton Marques de Medeiros. Legítimo filho de Upanema, hoje cidadão mossoroense, diria até: do mundo. Aprendi com ele: a singeleza dos atos simples e humanos, a força de uma mão amiga estendida, e o desejo de estar sempre a postos para ajudar. Eu falei, ou melhor, escrevi: A-ju-dar (com um “A” maiúsculo).

Nunca entrei no gabinete de Dr. Milton para não receber um sorriso, o seu apoio, bem como a sua dadivosa orientação. Nesses momentos, ele brincava comigo: “Clauder Arcanjo, você está me parecendo, cada vez mais, com o padre… ele sempre entrava no meu consultório, e lá se vão muitos anos, a me vender livros. Na verdade, ele sempre anunciava: ‘Milton, eu não vendo livros, eu empurro livros’.” E ríamos como dois meninos.

Quero lembrar uma coisa, uma dessas coisinhas valiosas que eu aprendi lá no catecismo de Licânia: o Teu filho, Pai (sim, Nosso Senhor Jesus Cristo!), foi feito verbo-homem para caminhar sobre a Terra, um vale de lágrimas, para amar e servir. Pois me entende: Milton, Teu filho, tal qual o filho de Deus-Pai, vive para nos servir e amar. Milton, de uma certa forma, Pai, praticou e pratica o primado maior dos Teus mandamentos: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei…”.

São quinze dias de dor: para Milton, para seus familiares (em especial, para a sua esposa Zilene) e para todos nós, filhos legítimos e adotados desse sertão de Mossoró. Estive ontem, quarta-feira, pela manhã, na sede da TV Cabo Mossoró (TCM). Na entrada, a sua ausência era sentida. No ar, nos olhos dos colaboradores, no silêncio dos clientes nos guichês, até nas flores murchas que eu flagrei, soturnas, nos jardins do grande pátio das antenas. Algo me levou para a frente do seu escritório: mais do que a porta fechada e as luzes apagadas, o jeito melancólico das secretárias que me gritaram: “Ele não está!”. Eu, mais do que depressa, levei a minha mão direita à folha da porta de entrada, baixei os olhos e… orei. Uma oração pequena como a minha fé, todavia enorme como a minha esperança. “Ele vai voltar, e ainda daremos muitas risadas juntos, comentando sobre nossos projetos de apoio à gestão, à educação e à cultura.”

Esta carta está muito dèja vú!? Sim, concordo, todas as cartas de amor são ridículas. E eu, Pai do Céu, sei que tu és fonte inesgotável de glória e amor. Pelo amor de Deus, Senhor, eu quero te pedir; encarecidamente, em meu nome, em nome da família TCM, em nome das centenas e milhares de pessoas que foram apoiadas e incentivadas por Dr. Milton, que vás ao leito dele, ponhas Tua mão milagrosa sobre a cabeça dele e sopres a saúde no seu corpo.

Precisamos de Milton, Pai! Não podemos caminhar sem ele. Ele é luz, é paz, é dádiva, é serviço ao outro.

Prometo, Pai, que eu passarei o resto deste ano sem importuná-lo; apesar de, bem imagino, ele perguntar por mim: “Ô Zilene, minha filha, cadê o Clauder Arcanjo que nunca mais veio aqui. Está ele muito sumido! Ele já desembarcou?”.

Eu irei, atenderei o seu chamado, contudo tão somente para agradecer ao Deus Pai Todo-Poderoso por ter tido compaixão de nós e ter-nos devolvido esse tão maravilhoso filho de Cristo: Milton Marques de Medeiros.

Tenho fé e esperança, meu Pai, este nosso Paraíso, aqui na Terra, ainda precisa muito de Milton para não ficar, de todo, perdido.

— Pai nosso, que estás no Céu…

 

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]