Careca: teoria e arte do fazer artístico – Marcio de Lima Dantas

Nem sempre parece evidente o fato de que um artista plástico elabora sua obra em algum tipo de suporte, detendo consciência do seu processo de feitura. Ocorre, via de regra, ser o resultado de um talento que não necessitou passar pela Teoria da Arte para que se fizesse pintor ou escultor. A grande maioria é de autodidatas nascidos com alguma espécie de talento abençoado pelas mágicas mãos das musas.

O talento é algo enigmático. Podemos compreender por meio de uma história familiar na qual existiram ou existem pessoas que de forma profissional ou amadora fazem arte. Nesse sentido, o artista familiarizou-se ou foi ensinado a dominar determinadas técnicas. Porém, essa não é a regra.

O que sucede é que algumas pessoas não se contentam em serem criaturas e se arvoram a serem criadores. Eis aqui, talvez, onde se inscrevem aqueles que trazem consigo uma imanente vontade de se expressar por meio de formas não copiadas do mundo, mas resultado de confluências de vetores que caminham para um mesmo ponto. De garatujas interiores passam a tomar formas exteriores: eis que surge o objeto de arte, sobretudo fruto das mãos e do atento olhar de quem busca transcrever o que sentira em seu íntimo.

Não que seja necessário ter o domínio da História da Arte, da Teoria das Cores ou da Geometria. Os naifs, primitivos ou ingênuos estão aí para desmentir essa obrigação de conhecimentos prévios acerca do que se pretende engendrar. Lembro, por exemplo, de um contemporâneo de Acari, o pintor primitivo Nilson, cujo domínio das formas e cores chegam a deleitar um corpo com tanta contemplação feita a partir de palnos extremamente simples. Beleza advinda de um homem simples de uma cidade do interior. É um mestre na combinação de cores, sobretudo nos animais retratados.

Tenho para mim que quando as duas coisas se juntam, a lucidez/consciência do fazer artístico e o talento, ocorre o triunfo da obra de arte resultado de uma gramática que a reveste de grande valor estético, na medida em que o artista é senhor dos seus meios, compreendendo

matematicamente o que faz, sabendo explicar a um eventual expectador o motivo pelo qual usou tais recursos buscando determinado efeito.

Lembro aqui das longas e agradáveis conversas com o artista plástico Careca. Nunca deixa uma pergunta sem resposta. Discorre com propriedade acerca das cores, dos planos e das perspectivas empregadas nos seus trabalhos. Tendo primeiro sido autodidata, contudo, depois aprimorou-se, sendo Bacharel em Arquitetura. Passando a lecionar cursos ou oficinas, nas quais mostra seu conhecimento teórico do que ele prática na sua obra.

O seu conhecimento sobre as cores é bastante profundo, sendo capaz de explicar acerca do círculo das cores, demonstrando oposições ou tons que concorrem para certos efeitos. Talvez não seja à toa a sua grande capacidade de provocar efeitos cromáticos inusitados nos seus trabalhos, ou seja, o que chamamos de grande colorista, a capacidade de apascentar o olhar por meio de uma íntima contemplação.

Todas as suas séries são previamente refletidas, não deixando passar tal fato a um apreciador atento, pois resulta de uma deliberada lucidez, de quem sabe o que está fazendo. Sintomático é que o curso que escolheu para fazer tenha sido a Arquitetura. Essa arte requer, mais que as outras, de um domínio matemático e geométrico para que se erga o edifício que se deseja chantar em algum espaço.

De espírito recatado, o silêncio não é atributo dele, pois parece sentir prazer em conversar sobre sua arte e seus modos de fazer. Como dizemos, “conversa aprumada”, de pessoa séria e de caráter manso, voltando sempre a explicar um detalhe conseguido por meio de um artifício.

Conversar com Careca é, antes de tudo, um exercício de aprendizagem para quem se interessa por arte. Para um crítico, é um deleite e uma boa oportunidade de acrescentar conhecimento por meio de um artista consciente dos meios que usam para lograr êxito com determinado fim: a obra de arte.

Márcio de Lima Dantas