Adson Maia – A Busca Pessoal e os Agentes de Segurança Pública na Perspectiva da Polícia Judiciária

Por Adson Kepler Monteiro Maia, Delegado de Polícia Civil no Rio Grande do Norte. Mestrando em Direito na UFRN.

 

A busca pessoal é um procedimento policial e administrativo de enorme importância, tanto importância jurídica como pedagógica nas Academias de Polícia. Mas ainda é tratada no Brasil de forma tímida pela doutrina e jurisprudência, como lembra o delegado Henrique Hoffmann, em artigo recente[1]. A legislação brasileira não é diferente. Não se atualizou com o tempo e apresenta várias lacunas, como exemplo, na busca pessoal no âmbito da segurança privada.

Segundo o autor acima, a busca pessoal consubstancia-se na inspeção do corpo do indivíduo e itens de sua custódia, como bolsas, roupas, veículos e pertences em geral, com a finalidade de evitar a prática de infrações penais ou encontrar algum objeto de interesse à investigação[2].

Ao contrário da busca domiciliar, a busca pessoal não depende de mandado judicial e pode ser realizada a qualquer tempo. Diante das regras inerentes a todo e qualquer Estado de Direito, só pode ser realizada se houver previsão legal. O princípio constitucional da legalidade informa que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[3].

O cidadão só pode ser constrangido a permitir uma busca pessoal em razão de previsão legal, dentro de um contexto de direitos e deveres legais e constitucionais. Nesse contexto direitos fundamentais podem ser relativizados por outros comandos constitucionais, como os direitos fundamentais de outrem e os deveres individuais e coletivos previstos na própria Constituição. Já os agentes públicos só possuem o dever ou prerrogativa de proceder uma busca pessoal, diante de um fato específico, quando ele se emoldure numa previsão legal com uma relação entre o fato e as atribuições e deveres funcionais.

Uma busca pessoal feita dentro da legalidade não visa somente apurar ilícitos, mas também evitá-los. Por isso ela é realizada por todas corporações policiais, repressivas ou preventivas, bem como por agentes de segurança privados, neste caso com o consentimento do revistado, desde que haja relação contratual prévia ou em curso que o permita.

A busca pessoal em mulher, sempre realizada por causa fundada como em qualquer modalidade de busca, será feita por outra mulher, se isso não retardar demasiadamente a diligência[4].

A causa fundada ou a fundada suspeita são expressões que significam que a desconfiança do policial é legítima. Elas também conotam que o policial detectou uma situação anômala no comportamento do indivíduo, ou nos seus pertences, vestes e veículo. Todavia, nas buscas preventivas, não investigativas, a fundada suspeita não está na pessoa ou nos seus pertences, mas no contexto do local, no horário, nas informações estatísticas de ocorrências naquela via pública. São as buscas pessoais preventivas em blitzen e operações policiais de prevenção.

O art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, normatiza a busca pessoal investigativa, aquela que mais interessa a Polícia Judiciária e a carreira de delegado de polícia. Neste dispositivo encontram-se as hipóteses de realização de busca pessoal para se verificar a existência de objetos ilícitos, produtos de crimes, armas proibidas e provas de infrações penais.

No que diz respeito a crianças, que deverão ser cuidadas apenas pela família e pelos Conselhos Tutelares, na ausência ou omissão da família, como as mesmas não estão sujeitas a qualquer tipo de procedimento policial e a busca pessoal forçada é uma prerrogativa exclusiva da função policial, deduz-se que as crianças só possam ser submetidas a buscas não corporais em seus pertences, como nas mochilas quando nas escolas, com a autorização prévia dos pais ou outro responsável legal[5]. A exposição dolosa e não justificada de crianças e adolescentes pode tipificar crime previsto no art. 232 da Lei nº 8.069/90.

Os agentes de segurança de empresas privadas não possuem as mesmas prerrogativas que os policiais para proceder buscas sem o consentimento das pessoas, mesmo diante de uma fundada suspeita ou de uma ação preventiva. São exceções situações muito específicas, como exemplos o flagrante delito, quando qualquer um pode dar voz de prisão ao autor do delito e o produto do crime foi previamente visualizado em seus pertences, ou ainda, uma delegação estatal através de lei e regulamentos específicos, como no caso dos agentes de proteção da aviação civil. Os agentes privados, por atuarem no âmbito das relações privadas e não das relações da Administração Pública, com seus administrados, estão sujeitos a mais limitações que os agentes públicos.

No caso de um agente de segurança privado que atue contratado por uma empresa pública, ainda assim é necessária uma relação contratual prévia que permita a busca, sempre consentida, como requisito para a obtenção de algo, como exemplo, o acesso a dependências exclusivas para clientes[6].

Enquanto a busca pessoal investigativa só pode ser realizada por agentes públicos dotados de poder de polícia (incluindo o dever fiscalizatório), a busca pessoal preventiva possui algumas autorizações legais para agentes privados. Destaque-se que a busca pessoal investigativa relacionada ao inquérito policial só pode ser realizada ou determinada pelo delegado de polícia de carreira com atribuições para o caso.

Observe-se que o art. 14, § 1º, da Lei nº 8.078/90 diz que o prestador de serviço responde independente de culpa se não fornecer a segurança adequada ao cliente, daí deve tomar a cautela necessária para evitar a ocorrência de ilícitos no interior de seu estabelecimento[7].

Apesar disso, o STJ já entendeu que essa cautela para se evitar ilícitos deve ser a cautela razoavelmente esperada. Não considerou razoável se exigir que haja revista pessoal na entrada de salas de cinema, onde raramente ocorrem delitos. Assim esse tribunal superior decidiu que disparos efetuados dentro de uma sala de cinema em um shopping é um fato imprevisível e, também por isso, inevitável por parte da empresa prestadora do serviço, portanto não indenizável[8].

No caso de micaretas, bancos e casas noturnas o STJ tem entendido que os estabelecimentos podem e devem ter cuidados adicionais quanto a incolumidade das pessoas (não exclusivamente do patrimônio da empresa) realizando revistas pessoais. Claro que ninguém é obrigado a aceitar uma revista pessoal por agente privado para entrar numa casa noturna ou micareta. Porém, o evento festivo também não é obrigado a aceitar clientes que não aceitem passar pela revista que condiciona a entrada. É uma relação contratual aceita pela jurisprudência para recintos exclusivamente privados[9]. As dúvidas surgem no caso de estabelecimentos públicos ou com utilidade pública, mas vigiados por agentes privados.

Em todo caso, qualquer revista por agente privado deve ter o consentimento expresso ou tácito da pessoa revistada. Essa necessidade de consentimento é possível porque a intangibilidade das pessoas e seus pertences, custodiados por elas próprias, é um direito disponível como a maioria dos direitos que habitam a esfera exclusivamente privada. Em outras palavras, é um direito que pode ser mitigado pela livre vontade do seu próprio sujeito.

No Brasil a profissão de vigilante está regulamentada junto com as empresas de segurança pela Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983.  Ao contrário da legislação de outros países, como a mexicana e a espanhola, nada trata a lei federal sobre quaisquer princípios básicos de atuação nem das empresas e nem dos vigilantes. Apenas informa, dentre outras questões pertinentes à tecnocracia estatal, os requisitos para ingresso na atividade e os procedimentos de fiscalização das empresas por parte do Ministério da Justiça e da Polícia Federal.

Além dos vigilantes relacionados a bancos, empresas de segurança privada e empresas de transporte de valores, existem outros profissionais encarregados de procedimentos de segurança como os agentes de proteção da aviação civil que podem realizar buscas nos pertences de passageiros da aviação civil. Desta vez são agentes privados autorizados a fazer revistas em pertences dos passageiros por leis de regulação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), de acordo também com resoluções e portarias daquele órgão. Neste caso os agentes não necessitam do consentimento absoluto do passageiro e podem acionar a força policial para seu auxílio. Para buscas corporais ou nas vestes de pessoas solicitam apoio policial e só podem fazê-lo diante de fundada suspeita de posse de objeto ilícito, de forma coerente com o disposto no art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal.

Na Ley 05/2014 que regula a segurança privada na Espanha, o seu art. 8º trata do respeito à Constituição e aos princípios básicos para a atividade[10]. No México a “Ley Federal de Seguridad Privada” já trata no seu primeiro artigo do tratamento correto com as pessoas evitando-se arbitrariedades[11]. Não se trata apenas da correlação com direitos fundamentais, mas também de uma maior completude sistêmica. Situações semelhantes de tratamento jurídico mais completo que o brasileiro encontramos em vários outros países. Como a temática de Segurança Pública é de alta relevância mundial e só tem crescido após a intensificação da globalização, o crescimento do terrorismo e do crime organizado internacional, observa-se que a maioria das legislações sobre segurança privada na Europa Ocidental e países vizinhos são mais recentes que a legislação brasileira de 1985.

Já as autoridades de trânsito, em conformidade com o artigo 269, §1º, da Lei 9.503/97, podem adotar medidas administrativas e coercitivas que terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa. Por conseguinte, todas autoridades de trânsito podem realizar blitzen com buscas em veículos, condutores e passageiros, para essa finalidade.

As guardas municipais, com o advento da Emenda Constitucional nº 82/14, que acrescentou o § 10º na Constituição da República, poderão realizar buscas em veículos e pessoas que circulam no sistema viário dos municípios que possuem legislação municipal de fiscalização, conforme dispuser a referida lei municipal. Ademais, a Lei Federal nº 13.022, de 8 de agosto de 2014, o chamado Estatuto Geral das Guardas Municipais, no seu art. 5º, inciso VI, também prevê esta nova atribuição para as Guardas Municipais, balizada pela Constituição Federal.

No referido estatuto se preceitua que a Guarda Municipal encaminhará ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário[12]. Não há necessidade de guardas municipais acionarem qualquer outra corporação policial para a condução de presos em flagrante, a norma é clara e objetiva. Nada mais correto para a eficiência na prestação de seu serviço e, também, para a Polícia Judiciária assegurar a qualidade na formalização do procedimento investigatório. Não se esqueça que a justiça começa na delegacia. Explico: somente a Polícia Judiciária tem atribuição de formalizar investigação ou flagrante delito que ensejará um eventual processo criminal, logo então, qualquer ocorrência policial, no aspecto formal, só será eficaz na esperada obtenção da justiça quando começar na delegacia. O delegado de polícia de carreira é o profissional legalmente habilitado e qualificado, no âmbito da Segurança Pública, com formação jurídica específica, para analisar cada caso apresentado, garantir os direitos fundamentais dos conduzidos, testemunhas e vítimas, bem como orientar as partes das providências que serão tomadas.

No que diz respeito a formação policial, analisando a Matriz Curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), não há nenhuma disciplina que verse sobre a atuação da segurança privada perante as corporações policiais ou o oposto. Não há nada que verse sobre a integração ou a delimitação de espaços de atuação[13].

Da mesma forma, no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), presente no sitio eletrônico do Ministério da Educação[14], não há nada diretamente relacionado à segurança privada e nenhuma ação programática voltada para a segurança privada, apesar do Ministério da Justiça ter participado desse planejamento e da natureza transversal do Plano. O próprio PNEDH informa que a formação policial estará em conformidade com a Matriz Curricular da SENASP que também é omissa sobre esse tema[15]. Não dá para justificar só com a separação da esfera pública e privada essa omissão, até porque existem várias ações programáticas no Plano pertinentes a organizações e movimentos da esfera privada no que diz respeito a Educação não-formal.

Verifica-se que a omissão quanto a questão da atuação dos agentes de segurança privada vem de longa data. O estudo da busca pessoal praticada por esses agentes fica assim prejudicado na sua amplitude e qualidade, tanto nos aspectos jurídicos como nos aspectos pedagógicos.

Esta é apenas uma síntese sobre os principais aspectos da busca pessoal e sobre os agentes com atribuições para executá-la, sem nenhuma pretensão de esgotar o tema. Neste artigo levantamos informações que levam a conclusão que ainda há muito para se avançar na normatização da vigilância privada, pois nossa legislação na área é lacunosa e não acompanhou a realidade mundial da globalização e os avanços da maioria dos países ocidentais.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Brasil. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos. Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007, 76 p

 

Brasil.. Matriz curricular nacional para ações formativas dos profissionais da área de segurança pública / Secretaria Nacional de Segurança. Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2014. 362p.

 

HOFMANN, Henrique. Além de investigativa, busca pessoal pode ser preventiva. Disponível em:  <http://www.conjur.com.br/2017-set-05/academia-policia-alem-investigativa-busca-pessoal-preventiva>. Acesso em 01 out 2017.

 

______________. Aspectos jurídicos da busca e apreensão. BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani Celso (Org). Busca e Apreensão. Rio de Janeiro: Mallet, 2017, p. 21-119.

[1] HOFMANN, Henrique. Além de investigativa, busca pessoal pode ser preventiva. Disponível em:  <http://www.conjur.com.br/2017-set-05/academia-policia-alem-investigativa-busca-pessoal-preventiva>. Acesso em 01 out 2017.

[2] Ibidem

[3] Art. 5º, inciso II, CRFB.

[4] art. 249 do Código de Processo Penal.

[5] Intepretação sistemática da Lei Federal n° 8.069/90

[6] STJ, REsp 1.384.630, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ 20/02/2014.

[7] Ibidem.

[8] Ibidem.

[9] STJ, REsp 878265, Rel. Min. Nancy Andrigui, DJ 02/10/2008; STJ, REsp 1.098.236, Rel. Min. Marco Buzzi, DJ 24/06/2014; STJ, REsp 695.000, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03/04/2007.

[10] Disponível em <http://www.adsi.pro/nueva-ley-52014-de-4-de-abril-de-seguridad-privada/> Acesso em 01 out 2017.

[11] Disponível em <http://www.dof.gob.mx/nota_detalle.php?codigo=5215266&fecha=18/10/2011> Acesso em 01 out 2017.

[12] art. 5º, inciso XIV, da Lei Federal nº 13.022, de 8 de agosto de 2014.

[13]Disponível em <http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-publica/livros/matriz-curricular-nacional_versao-final_2014.pdf> Acesso em 03 out 2017.

[14] Disponível em < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 03 out 2017.

[15] Brasil. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos. Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Pág. 49.