A Botija de Jararaca – Geraldo Maia

Geraldo Maia – [email protected]

Como antigamente não havia bancos nas cidades do interior, as pessoas colocavam suas economias (moedas de prata e ouro), dentro de uma panela de barro devidamente fechada e que era enterrada num dos quartos da casa ou debaixo de uma árvore.

Se a pessoa morresse e deixasse suas economias numa botija enterrada, sua alma ficaria penando. E a pessoa morta aparecia aos vivos mostrando onde é que estava enterrada sua botija.

A pessoa tinha que ir sozinha. Se fosse com outra pessoa, a botija desaparecia ou virava carvão. Quando a alma do falecido aparecia a uma pessoa, pedia que a botija fosse desenterrada e que parte do dinheiro fosse gasto celebrando missas para sua alma.

Essa é a definição que encontramos nos dicionários de folclore ou almanaques quando procuramos o significado da palavra “botija”.

Vários são os relatos de descoberta de botijas no sertão nordestino.  Alguns com tanta riqueza de detalhe que chega a impressionar. Mas sempre falando de uma terceira pessoa, na maior parte das vezes desconhecida, que teria encontrado uma botija.

Um desses relatos diz respeito a uma botija deixada por Jararaca. Consta que ao fugir do cenário da batalha naquele 13 de junho, mesmo ferido no peito e na coxa, conseguiu atravessar a ponte de ferro e se abrigar debaixo de uns pés de oiticicas na região conhecida por Saco.

Lá ele teria reunido sua riqueza indébita em uma caixa de charutos para enterrá-la, marcando o local com um pau seco fincado. E depois de morto, sua alma teria aparecido a um pequeno comerciante de Mossoró para que o mesmo fosse desenterra-la.

O escritor Gilbamar de Oliveira Bezerra em seu livro “Cangaço – Recordação do Ataque Frustrado”, narra o caso da botija de Jararaca. Diz Gilbamar:

“Existia em Mossoró um cidadão conhecido por Chico do Rosário, que residia com a família numa casa situada no bairro Doze Anos e comerciava carnes nas imediações do “Saco”.

No dia 13 de junho de 1927 o mesmo se encontrava em seu estabelecimento comercial, quando o portador do bilhete de Lampião ao Prefeito Rodolfo Fernandes o encontrou, avisando-lhe, então, do propósito dos cangaceiros, que já se encontravam próximos, aconselhando que ele deveria fechar a bodega.

Seu Chico agradeceu, fechou o estabelecimento e se dirigiu para o lar onde já se encontravam outras famílias a espera de transporte. Foram todos levados para vários pontos da cidade, ficando Chico do Rosário e família arranchados numa casa, próximo à trincheira da igreja de São Vicente, onde permaneceram até o fim do combate.

Com a prisão e morte de Jararaca, a cidade voltou à rotina normal. Certo dia, Chico do Rosário dirigiu-se ao “Saco”, a fim de trazer alguns animais que comprara. Atravessou a ponte do trem, e continuou seguindo o seu caminho quando ouviu uma voz lhe chamando.

Procurando o autor da voz, reconheceu o mesmo como sendo o bandido Jararaca, que ele havia visto algumas vezes na cadeia, antes do mesmo ser “justiçado” pela polícia, trajando a mesma roupa de quando havia sido preso.

Mesmo sabendo que o bandido estava morto, Chico do Rosário não teve medo. Aproximou-se e ouviu o mesmo dizer:

“- Eu lhe chamei para lhe dar um negócio. Tá vendo esse pau enfincado?” Perguntou o espectro de Jararaca.

“- Tou! “ Disse o marchante.

“- Apois tire o pau daí, cave um pouco, no buraco tem uma caixa com 22$000 (vinte e dois contos de réis) e um punha com duas alianças de ouro. São seus.”

Chico do Rosário fez exatamente como lhe dissera Jararaca, inclusive repassando o valor. De posse do dinheiro, do punhal e das alianças, ele levantou-se para agradecer tão generosa oferta, no entanto não havia mais ninguém no local além dele; o espectro desaparecera inexplicavelmente.

Ainda sem nada temer, guardou os valores e prosseguiu seu destino. De então em diante sua vida mudou por completo, tornando-se nebis árdua, comprou uma grande casa e continuou no comércio de carnes, agora de forma mais acentuadamente diferente: possuía uma pequena riqueza.”

Gilbamar teve o cuidado de explicitar a fonte dessa informação. Segundo ele, o fato foi narrado por um senhor chamado José Bruno da Mota, que adiantou ter visto o punhal diversas vezes e ter sido o próprio Chico do Rosário que o teria contado da maneira acima descrita.

Confesso que não conheço outra fonte que comprove essa história/estória. Reproduzo aqui apenas como mais uma curiosidade do cangaço.