A agricultura irrigada: antecedentes, configuração atual e perspectivas – Rogério Cruz

O cultivo do melão no estado do Rio Grande do Norte (RN) é hoje uma realidade em movimento, ora de destruição, ora de geração de riquezas, tanto em nível produtivo, quanto territorial, ou ainda ambiental, que impactam a economia da região Oeste potiguar.

Essa dedução decorre da leitura do artigo intitulado “A dinâmica da produção de melão no RN”, de autoria de Joacir AQUINO e José Aldemir FREIRE, publicado neste jornal em 09 de março, p.p.

A partir dali propõe-se ampliar aquela discussão mediante uma breve reflexão especificamente a partir dos movimentos ocorridos na história da economia agrícola, em nível regional. Para tanto, toma-se como estudo de caso, o município de Baraúna (RN), porquanto parte integrante daquela economia oestana potiguar.

Para tanto, levanta-se a seguinte questão: o que significa (ou) para a economia regional a emergência de uma agricultura irrigada, ou, especificamente, o plantio do melão irrigado?

Inicialmente, desde uma perspectiva histórica, entende-se que, a formação econômica local e sua caracterização atual foram pautadas por três tipos de contextos produtivos, tal como se apresenta a seguir:

a) um primeiro movimento fez-se na direção da exploração da madeira, que teve início na segunda metade dos anos 1930 e que nos anos 1940 deu origem às serrarias e, consequente, no aparecimento de produtos industriais (mesa, cadeira, etc.); mas, foi um tipo de atividade econômica que teve um ciclo curto, e hoje sequer existe; essa tradição mantém-se, ainda, somente que em cidades próximas situadas no estado do Ceará (CE);

b) um segundo movimento produtivo surgiu com a produção do algodão mocó, que ali ocorreu a partir dos anos 1960 e que se estendeu até praticamente os anos 1980, com pequenas indústrias geradas a partir dele mas fora daquele espaço local; isso gerou um período de muita riqueza para a região semiárida em geral, enquanto vigorou, tendo em vista os padrões daquela época; seu desaparecimento provocou um vazio produtivo, que foi preenchido – apenas em alguns territórios, escolhidos pelos investidores externo – ocasião em que se deu a ascensão da já existente agricultura irrigada; esta, até então, era feita de modo insipiente e precário;

c) Em terceiro lugar, essa agricultura irrigada de perfil produtivo moderno surgiu na economia do estado do Rio Grande do Norte (RN) ainda no final dos anos 1970, e se fez presente através dos primeiros cultivos de melão, especificamente no município de Mossoró (RN); em seguida, nos anos 1980, expandiu-se inicialmente para a região do Vale do Açu (RN); e, somente nos anos 1990 é que se desenvolveu especificamente no município de Baraúna (RN). Hoje, a produção caminha em direção a Tibau, Galinhos e Apodi sobretudo a partir de 2014, conforme ainda registro do artigo acima citado. É uma economia em movimento, em busca de solo fértil e de água abundante e igualmente barata.

Assim, esses três segmentos produtivos, em momentos distintos, que configuraram a economia agrícola de Baraúna, teriam sido setores estanques – ou seja, o desaparecimento de um não implicou necessariamente no surgimento do ciclo produtivo seguinte. E, ainda, cada ciclo apresentou especificidades em relação aos demais.

Assim, a primeira atividade era extrativa e depredadora da natureza e que teve pouca expressividade econômica. A segunda decorreu de execução de estímulos oriundos de mercados externos, com plantios que também provocaram grande desmatamento, ao lado de um expressivo dinamismo econômico em relação ao ciclo anterior. E, por fim, o melão que é uma atividade de plantio – tal como o é o algodão e diferentemente do que foi a madeira – que desmatou relativamente menos porque se instalou em áreas já degradadas. Todavia, polui e destrói a natureza com seus dois principais componentes: ação de produtos químicos (agrotóxicos) e instrumentos mecânicos. Estes, incidem sobre um bioma frágil, tal como o existente no semiárido. E, por fim, é uma atividade de um dinamismo econômico maior do que os dois ciclos anteriores – madeira e algodão.

Em suma, cada um desses momentos produtivos apresentou um padrão de desenvolvimento técnico próprio e de relações de trabalho específicas, em diferentes tempos históricos, e, ainda, todos eles estiveram prioritariamente voltados para atender demanda exógena à região onde se deu o plantio.

Na atualidade, as especificidades da agricultura irrigada do melão são maiores até porque o grau de complexidade – tanto da produção, quanto da comercialização – são evidentemente maiores.

Nesse contexto econômico, o risco produtivo aumenta, até porque, há redução dos estoques de água, o que provoca dois tipos de teses.

A primeira defende que haverá exaustão das reservas hídricas, num médio e longo prazos, fato que colocaria em xeque a vida no semiárido. A verificar.

A segunda nega essa proposição apontando a necessidade de maiores estudos a respeito desse movimento e defende o crescimento econômico a todo custo porque fator gerador de emprego e renda. Essa ideia está em curso, mas, é uma contradição em processo porque se tem efeitos positivos na esfera econômica, apresenta efeitos adversos em outras esferas da vida.

Diante dessas teses cabe indagar: e, a sociedade local e regional, o que diz a respeito? Concordará ou discordará dessa condição de existência, que, na atualidade, promove um crescimento econômico não necessariamente sustentável?

 

Rogério Cruz é doutor em Desenvolvimento Econômico/Unicamp e Professor da UFRN. Aposentado.